Após quase dois anos de vínculo ao Projecto Mais Proximidade, Melhor Vida (MPMV), a psicóloga Joana Barreiros (em cima ao lado de uma das idosas apoiadas pelo MPMV, Dona Clara) teve de mudar de cidade, o que a obrigou a deixar a equipa e os seus utentes. Deixará muitas saudades na equipa e nos idosos, o que sabemos ser recíproco. Leva consigo uma experiência única que sintetiza no testemunho que partilhamos convosco.

Texto: Joana Barreiros

Antes de trabalhar no MPMV, a Baixa, para mim, era um sítio de passeio. Ia à Baixa para ir às compras, a visitas de estudo e, mais tarde, quando vinha a pé da faculdade, passava por lá, mas sobretudo era um sítio que eu julgava ser essencialmente frequentado por turistas. Sabia, no entanto, que em tempos tinham vivido lá pessoas, mas nessa altura não imaginava que a Baixa ainda fosse vivida da forma que vim a conhecer.

A Baixa, que antigamente, para mim, era um sítio turístico ou de passeio, como disse, afinal tinha muito mais do que pessoas que não se conhecem e que passam por lá. Por de trás das fachadas daqueles prédios degradados e com acessos à rua complicados, há pessoas que se conhecem há vidas inteiras.

Maioritariamente são pessoas que trabalharam naquela zona, que se conhecem desde sempre, que conhecem os comerciantes, mas que apesar de tudo, foram ficando sós e isoladas. Esta Baixa lisboeta, por um lado, é como se fosse uma aldeia em que todos se conhecem, e conhecem muitos dos seus problemas e da sua vida; mas, por outro, não se ajudam e apoiam como nas aldeias (segundo estas pessoas). Na minha opinião isto acontece por, na sua maioria, estas pessoas terem sido acolhidas nesta Baixa que não era sua, onde impera, de certo modo, a cerimónia e o desejo de não se “meterem” na vida uns dos outros, mas também devido às suas próprias dificuldades.

Mas são estas pessoas que nos abrem a porta com um grande sorriso. Que nos contam a sua vida, as suas angústias e as suas maiores dificuldades, que partilham as histórias de outros tempos. De outros tempos muito difíceis, em que trabalhar era a “ordem” do dia, e cujo testemunho acaba por ser um exemplo para nós. Mas contam-nos, também, histórias de uma Baixa que não conhecemos, em que na Rua Augusta passavam carros ou um eléctrico aberto, tempos em que nos andares de baixo de suas casas havia fábricas, tempos em que estes prédios, hoje em dia vazios, tinham várias famílias a viver em cada andar, mais concretamente uma família por casa, sendo que uma casa, nos seus relatos, é o que hoje em dia chamamos de divisão.

Com estas pessoas aprendi muito. Sobre esta Lisboa de que tanto gosto, sobre estes tempos que tanto me fascinam, mas, sobretudo, sobre a vida. Sobre  as relações, sobre resiliência, sobre o trabalho e tirar proveito de coisas pequenas da vida, sobre a crise. Sinto que fui uma PRIVILEGIADA, por trabalhar para estas pessoas e com esta equipa.